Entrei calminho repuxando a alça da mala que me arrepanhava o casaco e encostei-me às espaldas dos primeiros bancos. Esperei dentro pelo toque de aviso e fiquei encantado a ver as pessoas que à última entravam rasando as portas do metro. O ar desencantado dos que ficaram de fora segurando as suas malas também atarantadas e amaldiçoando a corrida que deram. Como o dia lhes corre já mal...
Dentro da carruagem está uma senhora que toca acordeão com uma face engandoramente alegre. Um sorriso estudado que é capaz de por e tirar conforme lhe apetece tamanhas foram as passas que a vida lhe deu. Ela presta um serviço aos passageiros, toca umas tarantelas e vai olhando em volta enquanto as pessoas desviam o contacto directo com o seu olhar preferindo o anonimato do reflexo escuro da janela. Paragem Parc / Park, ninguém entra, ninguém sai e ela continua a tocar como se agora tivesse começado. Acho mesmo que por momentos ela prórpia meteu o piloto automático e pensa no que vai comer à noite, na roupa para lavar, nos pensos que tem de comprar, no homem que está a fazer o mesmo na outra linha, nos filhos que ficaram com a avó na Roménia... e vai tocando esquecidamente. O sorriso ficou-lhe preso todo este tempo.
Percorre o vagão com o copo de cartão com as moedas pequenas que deixou para ir chocalhando com a suave melodia a uma mão que deixa no ar. Ninguém dá nada, mas perseguem-lhe os olhos pela imagem no vidro. Um vagão cheio de predadores da miséria alheia. Alimentar-se disso deixa-nos um conforto de como as coisas podiam ter sido piores, de como a vida podia ter sido mais calhorda connosco.
Centraal station / Gare central
Ninguém lhe dá nada, nem um olhar, e ela retribui com o mesmo sorriso preso porque ela própria não esperava mais do que teve. Sai vitoriosa para o próximo vagão porque a vida não a surpreendeu. A previsibilidade do pior ajuda a suportá-lo.
Dentro da carruagem está uma senhora que toca acordeão com uma face engandoramente alegre. Um sorriso estudado que é capaz de por e tirar conforme lhe apetece tamanhas foram as passas que a vida lhe deu. Ela presta um serviço aos passageiros, toca umas tarantelas e vai olhando em volta enquanto as pessoas desviam o contacto directo com o seu olhar preferindo o anonimato do reflexo escuro da janela. Paragem Parc / Park, ninguém entra, ninguém sai e ela continua a tocar como se agora tivesse começado. Acho mesmo que por momentos ela prórpia meteu o piloto automático e pensa no que vai comer à noite, na roupa para lavar, nos pensos que tem de comprar, no homem que está a fazer o mesmo na outra linha, nos filhos que ficaram com a avó na Roménia... e vai tocando esquecidamente. O sorriso ficou-lhe preso todo este tempo.
Percorre o vagão com o copo de cartão com as moedas pequenas que deixou para ir chocalhando com a suave melodia a uma mão que deixa no ar. Ninguém dá nada, mas perseguem-lhe os olhos pela imagem no vidro. Um vagão cheio de predadores da miséria alheia. Alimentar-se disso deixa-nos um conforto de como as coisas podiam ter sido piores, de como a vida podia ter sido mais calhorda connosco.
Centraal station / Gare central
Ninguém lhe dá nada, nem um olhar, e ela retribui com o mesmo sorriso preso porque ela própria não esperava mais do que teve. Sai vitoriosa para o próximo vagão porque a vida não a surpreendeu. A previsibilidade do pior ajuda a suportá-lo.
3 comentários:
foi munito...
foi mesmo.
és do Partido Humanista não és?
:P
hug!
http://www.livejournal.com/users/omeupassesocial/
foi munito...
foi mesmo.
és do Partido Humanista não és?
:P
hug!
http://www.livejournal.com/users/omeupassesocial/
Uma vez ia num metro ou comboio urbano numa qualquer cidade da Europa, creio que Madrid, e era época de natal e entraram dois destes "artistas de rua". Tinham ar de serem de leste e cantaram uma canção numa língua irreconhecível, acompanhada de uma guitarra com as cordas um pouco bambas e de uma espécie de dança. Chegaram, cantaram a canção e saíram na paragem seguinte. Não passaram caixa-de-esmolas, não pediram nada. Só sorriram.
Devia ser uma canção de natal. Os outros, seguimos viagem com um sorriso (cada um).
Como é fácil alegrar o dia a uma pessoa.
A propósito: ena pá, que blog tão fixe.
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