Nada pior do que discutir alhos atirando-se uns bugalhos para o ar.
Hoje imaginei-me sendo uma grávida numa maca às portas de um bloco operatório para fazer um aborto. Depois de consideradas todas as opções seria a última hipótese de mudança que me restava. Ainda assim tinha um pesar latente na cabeça oscilante entre o (a) isto é para outra fase da minha vida, agora não poderei dar a felicidade que intento, só vou estragar a minha e a vida do que aí vem; e o (b) eu devia era ter esta criança porque Deus Nosso Senhor providenciará e enquanto eu tiver bracinhos para trabalhar há-de haver comida na mesa para todos.
Vêm as senhoras do barco do arco-íris (vindo da holanda tem de ser sempre fruta-cores) e dizem-me ali de perna escancarada: "Vai miúda, tu és senhora da tua vida e tens todo o direito de decidir o que é melhor. Azares acontecem e não vale a pena trazeres para aqui alguém que não vai ser querido e amado como tu queres. Ter filhos é boa onda mas só quando forem planeados."
E aí vou eu. Abram-se as portas do bloco, empurrem-me a maca para dentro!
Param-me a maca umas senhoras muito descontraídas que também aparecem em revistas. Levantam a sobrancelha e dizem: "Onde é que vais miúda?! Ja pensaste bem no que vais fazer? Vais matar o que pode ser o próximo Enstein. Ok, mesmo que seja um Castelo-Branco não lhe irias negar o teu amor. Toda a gente consegue educar uma criança surpresa. Olha a tua volta. Se não tivessemos andado para a frente com tantos indesejados ainda estávamos à espera de D. Sebastião."... "e depois, às 10 semanas já há um coração a bater!!"
Eu mesmo estando de 7 semanas achei tal o impacto que gritei para fecharem as portas do bloco e meterem a maca em marcha à ré.
Agora fiquei com 2 grupos de senhoras a ajudarem-me a formular a moral para abortar ou não. Cada um empurrando a maca num sentido oposto e eu ali de perna aberta.
Já no banho o sonho não me saía da cabeça. Até que com uma borracha psíquica esborratei tudo. Que me interessa isto? Só se for do ponto de vista de discussão filosófico-académica de tertúlia de fim-de-semana.
O referendo que vem aí é sobre se a mulher da maca que já saiu do bloco com aborto feito deve ou não ser acusada de um crime. Estes são os alhos, o resto são bugalhos...
4 comentários:
Meu caro, nem de propósito... Vim aqui para ver o que dizias sobre o tema...
Excelente post, como sempre!
bjs
Vim cá parar de "kimboio"!
Ainda bem que vim até esta estação!!
Pois é, anda tudo misturado! e, justificações de um lado e do outro, como ali ficam caricaturadas, são-nas aos molhos e dizem pouco ou nada precisamente sobre o que é: depois de feito, "ela" tem de ser acusada? Nisto de gravidezes e a decisão ser sempre (e só, como quase todos dizem) da mulher, arrepia-me a fúria! Nunca percebi porque se tira daí o outro lado da questão, sim, que ninguém engravida sozinha... é bem verdade quando dizem que, em última análise, se é no corpo dela que o ovo cresce... mas, de todo modo, o potencial pai teria sempre de ser chamado e ouvido, ou não?
Cá por mim, há uma frase de alguém que aprendi desde sempre a estimar, que diz assim:
Todo o aborto é um mal mas o aborto clandestino é uma catástrofe!
Portanto, como julgo que "ela" e "ele" não devem ser acusados, sem dúvida, no referendo eu voto Sim!
Também porque, claramente, o Não soa-me a hipocrisia do pior...
Hey Coco :) Este teu post é formidável! Parabéns! Excelente!
O problema é basicamente este: a contra-informação que os partidários do "NÃO" fazem e que só leva à mediania deste país pensar no que naum devem.
Subscrevo as palavras da Maria (Maria, já te disse que curto imenso os teus comentários, naum? :D), só que acho que o aborto clandestino naum irá acabar. Poderá ser atenuado, mas continuará sempre a existir. Sempre vai continuar a existir a questão da "vergonha", "preconceito social" etc.
Eu também voto pelo "SIM", naum por cheirar a hipocrisia se fosse o caso, mas sim por convicção.
Como é que dizia o outro em 1986? "P'rá Frente Portugal"?
Hugzz clandestinos
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