quarta-feira, outubro 26, 2005

De quem é isto?...

... disse o senhor prior elevando na mão uma andorinha morta e disfarçando o ar de nojo.

As alunas do colégio ficaram visivelmente transtornadas, não com o passareco finado mas por ter sido ignorado o preservativo estrategicamente colocado à porta da sala de aula.
Com algum acabrunhamento subiu uma voz do fundo:
- É a SIDA das aves, D. Teotónio.
Enquanto arremessa o emplumado peso morto para o caixote de lixo de latão, desabafa o padre:
- Era o que me faltava, já chegou às galinhas de Nossa Senhora.

No recreio, um conjunto de alunas que se viam como a inteligentzia intra-muros alvitrava sobre a origem daquela ignóbil situação, não a do preservativo mas a da andorinha defunta.
- Quanto a mim isto é coisa de fã de Colleen McCullough. Terá sido uma retorcida partida do destino de um virologista louco que apanha o cacilheiro e é apupado à chegada por uma salva de poias de gaivota. Claro que ele será também geek da internet, bookcrosser e outros neologismos sexuais em itálico dignos de Marta Crawford.
As outras acenavam que sim e prendiam o maço de cigarros na liga da meia tão repuxada que não se via pelas pregas da saia cinzenta. Dizia outra entre passas curtas:
- Não será isto coisa de japonês que tem a mania que é ocidental? A sério, imaginem lá. Ele veste casaco de cabedal e está farto da columbofilia fanática do seu pai que lhe enche de esterco o topo do prédio. Aposto que ele preferia levar lá os amigos a beber uns shots de saké e ouvir Happy Mondays ao por do sol. Até terá sido daí que tirou a ideia de envenenar os pombos e vê-los cair que nem tordos quando a apoplexia lhes dá duranto o vôo. Parece-me tremendamente simbólica a chuva de penas...
- Ó Constança, já estás a divagar!
Outro silêncio para se reconfortarem no fumo mútuo e esfregarem os braços. As camisas querem-se arregaçadas nas mangas para conseguir o pleno ar de uniforme descontraído, regras mas non troppo. Um olhar de esguelha para os cachopos das BW's que se acrescentam junto à grade a ver as meninas. Outra atira-se sem esquecer o que aprendeu nas conversas de sala dos amigos do papá que se tratam todos por Dr. Apelido:
- Vocês estão a querer imputar o dolo a uma só pessoa quando na realidade poderemos ter um consórcio farmacêutico por detrás desta celeuma. Imaginem um conjunto de indústrias que conseguem introduzir um vírus sintético para as quais elas detêm o monopólio de patente da vacina. Quem diz da vacina diz da cura.
- E que raio de idílio existe nessa perspectiva ó Teresa?

Sequencialmente apagam o cigarro e rodam as chicletes de sabor a canela.

Ao longe, outro grupo admira-as com desdém. São também garotas da mesma turma mas das que usam as mangas para baixo e os botões da camisa apertados até acima. O casaquinho é posto à cintura a cobrir os rabiosques demasiado qualquer coisa. De trança mal amanhada observa uma:
- Aquelas devem ter a mania. Ali a fumar pós gajos as verem armadas em modernas. Não têm nada na cabeça.
- Patty, queres dar atenção aqui? Precisas de cobrir mais, temos de furar este preservativo e acho que desta vez deviamos pô-lo mais perto da carteira do cura.

Detrás dos portões os rapazes fumam e giram os penduricalhos da chave da scooter. Abraçando o anorak vermelho da Helly Hansen tornado famoso na detenção de Bibi, lembra um deles:
- Não sabia que tinhas tanta pontaria, meu. Foi mesmo em cheio na andorinha...
- Ya, achas que elas se acagaçaram quando a atiramos para dentro da sala?

3 comentários:

João M disse...

"É a SIDA das aves, D. Teotónio."
Consigo imaginar o Ricardo Araújo Pereira a dizer esta frase num sketch do gato fedorento. Mto bom.

Anónimo disse...

alto texto!

gaja disse...

Eu até queria dizer qualquer coisa elevada e original, mas nada do que se possa dizer estará à altura desta pequena pérola! Já agora, lembram-se todos de quem fazia o papel de professor no célebre anúncio que consagrou a frase "de quem é isto?".

 
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