segunda-feira, julho 25, 2005
A Mulher no Lar 4
No viver intimo com o marido, a mulher precisa de guardar sempre o recato e o pudor cheios de graça que são um de seus maiores encantos. Ela tem de aureolar-se de uma certa poesia, para conservar intacto o prestigio espiritual perdido num convivio descuidado. É necessario regularisar todas as concessões e todas as liberdades, com delicado carinho não isento de firme, mas de maneira a não ferir.
O nosso lar deve ser um jardim. Nêle decorre a parte melhor da nossa existencia, que será tanto melhor, quanto mais solicitamente soubermos cultivar e cuidar todas as flores que o embelezam e o matizam. E como a um jardim, a mulher terá de rodea-lo duma sébe de cautelas, fechar inflexivelmente as suas portas aos que não sabem respeitar a propriedade alheia e podem tentar danifica-lo ou destrui-lo.
quinta-feira, julho 21, 2005
A Mulher no Lar 3
Dentro do lar, a mulher é o exemplo personificado da serenidade e da educação, seja qual for a sua categoria social.
Uma mulher em gestos colericos e descompostos é uma das coisas mais horriveis, mais abominaveis que póde imaginar-se.
E aquela que acompanha esses excessos duma linguagem grosseira e obscena, já não é mulher, é uma furia, um ser indefenivel. Embora o homem empregue termos indecentes, á mulher cumpre abster-se de usa-los e proibi-los aos filhos. Os palavrões na bôca duma mulher tornam horrenda a que se tem no conceito de formosa.
Com os vicios dos maridos, desde que sejam incorrigiveis, não transige uma mulher digna.
Um homem que se embriaga, ou joga o sustento da familia, é uma criatura abjecta. Só tem de humano a figura. Perdeu o respeito por si, não merece que os outros o considerem.
O dever da mulher, porém, é empregar todos os meios ao seu alcance, para o libertar dessa degradação moral. Se não póde, cumpre-lhe abandona-lo.
A Mulher no Lar 2
Poucas são as casas, embora modestas, que não tenham uma ou mais janelas.
[...]
Quem tem varios aposentos, vai deixando ventilar uns, enquanto permanece nos outros.
O desmazêlo, o desleixo que se apoderam da mulher da classe operaria ou agricultora, depois que casa, são, sem duvida, uma das mais poderosas razões da sua infelicidade.
O tempo, que a maior parte délas consome na bisbilhotice com as visinhas ou a palrar de coisas sem interesse algum, aplicado a melhorar com o seu esforço as condições de vida e o conforto e comodidades da familia, produziria verdadeiros milagres.
A mulher do operario consciente deve receber o marido, á chegada do trabalho, com a fisionomia calma e sorridente, não havendo grave motivo a impedir-lho. Não o fazer participar das questões das visinhas – das quais não poucas veses se originam conflitos sangrentos – nem das suas arrelias com os filhos. Os pequenos deitados. Agua numa bacia para êle se lavar, sem necessidade de a pedir. Um casaco, embora remendado, mas limpo, para se libertar da poeira da rua, ou da oficina. Se tem animais domesticos, ja tratados e recolhidos. A ceia feita; os candieiros temperados e limpos. Na mesa uma toalha bem lavada. Umas flôres, mesmo numa jarrinha de barro, darão uma nota delicada de frescura e elegancia á mêsa mais desprovida de iguarias.
A comida, embora pobrissima, apetitosa.
Se o marido gosta de lêr, apenas acabar a ceia, deixá-lo á vontade, não o perturbar. Pedir-lhe até para lêr alto qualquer coisa que mais a interesse. Chamá-lo, por todos os modos á intimidade da vida de familia. Criar-lhe cada dia um gosto novo, por coisas saudaveis e dignas que o afastem dos maus companheiros, das sugestoes criminosas, da taberna e do jogo.
domingo, julho 17, 2005
A Mulher no Lar: DISCLAIMER
Tinha a assinatura da minha defunta Tia-Avó em caligrafia aprumada e por isso o atribuo a ela como um dos seus legados.
Não pretendo com as citações do livro perfilhar as opiniões ou as visões da mulher mas apenas mostra-las pelo seu interesse sociológico e histórico. Ok, admito, e também porque o rebaixamento machista é hilariante pela sua descontextualização nos meios urbanos.
Preferi deixar a versão tal e qual como foi escrita sem adaptação ao novo acordo ortográfico por nos enriquecer a língua e a imaginação.
Espero ansiosamente a vossa mordacidade em comentário.
A Mulher no Lar 1
Uma habitação embora pobríssima, mas limpa e arranjada, é uma condição imprescindível á consecução da felicidade.
Diz-se dos escritores, com certa propriedade, que – o estilo é do homem.
Da mulher pode dizer-se também própriamente – o lar é a mulher.
Muitas mães de família vivem infelizes, por não possuirem a arte de tornar apetecivel a sua casa. A falta de conforto na habitação póde atribuir-se, em muitos casos, aos desperdícios dos operarios nas tabernas, aos dos modestos empregados publicos ou comerciais nos cafés.
Mas é justo reconhecer que a grande numero de mulheres cabe a responsabilidade nessas dissipações dos maridos. Se eles ao chegarem a casa, cansados da faina diaria, encontrassem um aconchego intimo, aprazivel, uma atmosféra agradavel de conforto, uma ceia bem cosinhada e um rosto sereno e risonho que os indemnisasse da rudêsa do trabalho e das grossarias dos chefes ou patrões, a maioria dêles, correria a refugiar-se no abrigo do lar, em que a paciencia e a coragem se retemperariam.
Mas o quadro que se lhes oferece é infelizmente, salvo raras e honrosas excepções, o contrario disto.
O operario ou empregado, extenuado de fadiga e mal humorado, porque, por uma defeituosa qualidade inerente á nossa raça, o trabalho é considerado não um dever, mas a escravidão forçada, recolhe a casa na disposição de descansar.
Chega. Deparam-se-lhe os filhos sujos e famintos; a mulher lamurienta, carrancuda, desgrenhada ou esfarrapada, a casa em desalinho, os animais domesticos mal tratados. Por toda a parte a miseria e e o desconforto. Um nada bastará para irrita-lo. A mulher que não soube evitar o inconveniente, protesta com mais ou menos justiça. Vencem as razões do mais forte que espesinha, espanca brutalisa,e, revoltado contra tudo e todos, sai desorientado, indo esquecer e espairecer para a taberna ou botequim.
É desolador mas infelizmente bem verdadeiro este quadro.
Uma mulher pobre ou rica, verdadeiramente digna desse nome, prima na boa ordem e conforto da sua casa e preferirá o ter de menos um vestido, ou um adorno de uso pessoal, a faltarem-lhe os objectos uteis ao arranjo e até ao adorno do seu lar.
In A Mulher no Lar – a arte de viver com economia de Emília de Sousa Costa 2ª Edição (aumentada) (oferecido a minha tia-avó em 1928)
sábado, julho 16, 2005
Mictório, update
A peça modelo com a rede de fundo, no espaço de uma semana, ganhou duas fatias de sabão macaco. Uma inovação com produto nacional.
Isto é o exemplo do incentivo à produção portuguesa.
sexta-feira, julho 15, 2005
Adília Lopes, uma poetisa modernaça 1
É preciso agir
é preciso foder
isto é etimologicamente
cavar
na cidade
é por vezes
tão difícil foder
como cavar
mas mando quinze tampas
de iogurte Longa Vida
natural
para o Apartado 4450
e plantam-me
uma alfarrobeira
na arrábida
In Sete rios entre campos de Adília Lopes
Adília Lopes, uma poetisa modernaça 2
Escrevi
Porque não
Te perdi
A escrever
escrevo-me
e escrevo-te
Escrevo menos
para mim
do que para ti
Os meus versos
vão dar à tua casa
(eu não quero voltar
para a casa dos meus pais)
Mas vêm aí os pardais
In Sete rios entre campos de Adília Lopes
Adília Lopes, uma poetisa modernaça 3
A porta da casa de Eneias, em Viena
Cartas são como anéis
sem dedos
são cruéis
gosto muito
mas não me chega
A porta que se fecha
com estrondo
e me parte o nariz
deixa-me antiga
como Cleópatra
e a Esfinge
A dor falsa
cheira-me a valsa
é preciso pôr salsa
e na primeira balsa
volto para casa
do meu pai
sem um ai
estancada a hemorragia
torno-me pia
Ai do que não sabe
desentupir uma pia
porque nada sabe
da utopia
Não há fome
que não dê em fartura
com açúcar
e canela
abençoadas descobertas
que tornam as crianças espertas
perdeu-se o pai e a mãe e o império
o Eden passou de cinema a hotel
porque não se faz do Bugio um motel?
para rezar
não é preciso falta
de ar
Dido no Inferno
é preciso ter boas maneiras
em toda a parte
especialmente
em questões de Arte
In Sete rios entre campos de Adília Lopes
Adília Lopes, uma poetisa modernaça 4
Gosto da cidade
e da publicidade
Gosto do campo
e do Anto
Gosto do mar
e do lar
Gosto do ar
e do radar
Gosto do céu
e do chapéu
Gosto da praia
e da saia
Gosto de ti
e de ti
In Sete rios entre campos de Adília Lopes
segunda-feira, julho 11, 2005
dos sonhos
dizia eu ao an7ónio numa conversa de alto fervor digital
domingo, julho 10, 2005
Mictório
Desde pequeno que sou abatido pelo fascínio de um determinado objecto de loiça. É um objecto que não se encontra em todas as casas de banho mas que também não faz parte do acervo de utensílios para banhos a prestações, como o bidé. Não, não falo desta bacia oblonga, por muito que mereça uma estátua em sua honra de tão ridiculo nome que lhe puseram, um híbrido entre a corruptela francesa e um neologismo yanomami.
De petiz sempre que ia a uma casa de banho pública que ficava a olhar para aquela bizarra peça de faiança presa à parede à altura da minha cabeça. Só mais tarde vim a perceber que todas as minhas hipóteses estavam erradas. Desde escarrador a sanita para deficientes (e só Deus sabe as horas que passei a inventar um deficiente que ali coubesse melhor que numa vulgar retrete) tudo me empapou a massa cinzenta.
Um dia mais tarde associei-o à sua função e nome. U-RI-NOL, um nome saído de um livro sobre castas de anjos. Há outros nomes mas acabo sempre por preferir este pelo enrolar de língua que tanto prazer me dá. U-RI-NOL.
A seguir foi a fase de estabelecer a nossa relação. A princípio não foi fácil. Eu estava habituado a sanitas, ao conforto das 4 paredes, a fazer ventriloquismo com o piaçaba... De repente dou comigo a ter de repensar a pontaria. Depressa percebo que não é tão árdua tarefa tratar do assunto sem respingar as calças. A habituação mais difícil foi partilhar o momento de intimidade com um desconhecido ao lado que olha orgulhosamente para o seu zé e depois se vira e esboça um sorriso como se fossemos os mais velhos compinchas. Pior mesmo só quando é urinol corrido, normalmente de metal, em que nem sequer há divisórias e a possibilidade de estarmos a roçar cotovelos com o parceiro do lado me faz perder toda a vontade da natureza. Mas, se estivermos sós é uma maravilha. É como fazer contra uma parede pública sem os incómodos problemas de consciência. Pode-se escrever o nome em caligrafria urinária, que fica a escorrer em lettering de filme de terror classe B e com um fumo amoniacal de escrita corrosiva.
O urinol é agora o meu momento kit-kat, a pausa de introspecção, a batotice de ter um momento para reunir argumentos para a mesa de café. Mas o urinol nunca poderia ser um objecto intelectual se não fosse também recreativo. É para isso que servem as bolinhas de naftalina. Não há prazer maior do que fazer o jogo de as levantar dos buraquinhos e voltar a pôr, tudo no mesmo jacto de xixi. Ainda assim, consegue manter o seu mistério e versatilidade... por exemplo basta vestir-lhe o fundilho com uma rede verde para se tornar num esplêndido cinzeiro.
quarta-feira, julho 06, 2005
PERALVILHO
- talvez do Cast. Peralvilho, n. pr.
- s. m., indivíduo afectado nas maneiras, no falar e no vestir;
- peralta;
- janota;
- casquilho.
terça-feira, julho 05, 2005
ÀCÊPÊ: Se chamar o Gregório, não conduza!
* Na feitura deste Blog não se ofendeu nenhum motorista do ACP, especialmente o Sr. Gregório que certamente tantos anos bons deu à casa, por levemente o comparar à ideia de um regurgitado alcoólico.
João, o quadrado
John Le Carré diz sobre a Imprensa in O Fiel Jardineiro (The Constant Gardener)
segunda-feira, julho 04, 2005
domingo, julho 03, 2005
Gente GiGira
Lembro-me como se fosse um marco térreo dos anos de diversão. Quando à minha volta as drogas subiram para paradas mais altas eu afastei-me, afastei-me dos lugares e dos amigos. Aí dediquei-me a procurar eu próprio a música que gostava, o único elo que sentia perder sem as saídas. A noite continua a ser o meu mundo de fantasia e um refúgio do espírito.
Redescobri o prazer de sair de novo mas para sítios menores, menos mainstream, mais alternativos, onde a música é o centro e não a pertença a um qualquer "star-system" (whatever that is).
Assim pensando me encontrei na festa da GiGi no invicto Triplex. Uma festa de sons roubados aos anos 80 onde a batida retro-electro lhe é genuína.
Ouvir cantar em coro o refrão do "Paixão" com pronúncia do Norte é uma experiência inenarravél. saí qualquer coisa como:
Paixong, Paixooooooonnnnnng,
Num bais fugir de mim,
serás [com o erre enrolado no palato],
Paixooooooonnnnnng,
atéééé aooo fiiinnhheee.
Claro que tudo corria bem, as pessoas estavam divertidas e não diziam os habituais disparates, nem meneavam a cabeça numa tentativa parabólica de encontrar os fotógrafos. Ambiente relaxado... até às 3h30 da manhã quando encheu para lá da lotação.
De todos os erros de gestão que se podem cometer, o excesso de lotação é o pior. Um serviço pensado para 200 pessoas não tem a mesma logística de um para 400. Está claro que as pessoas começam a sentir-se apertadas, a tornar-se irascíveis e violentas. Depois de 40 minutos num bar a ser acotovelado e a observar a mesquinhez do cada-um-por-si para chegar à barra, desisti e saí.
Não percebo o que motivará a gerência a admitir uma situação de perda de qualidade simplesmente por não observar os limites de lotação. A música era boa, o espaço era engraçado, as pessoas eram simples e animadas mas os limites do civismo ultrapassam-se com grandes aglomerados que se sentem defraudados na qualidade oferecida.
Convenhamos que pagar 10€ de consumo mínimo obrigatório para não ter sequer uma bebida, é obra. Claro que ninguém se queixa e as inspecções de actividade comercial têm mais que fazer.
Isto é só mais um exemplo de como a indústria nocturna rapidamente se torna num poço de decrepitude. Estou contente com a minha decisão de evitar a toda a brida as "ruas principais".
...E ainda recriminam o "botellon"...