terça-feira, outubro 05, 2004

A arte de bem asnar em toda a cela

Cito e comento a entrevista ao Sr. Manuel Braga da Cruz ao Público de 2004-10-04, reempossante reitor da Universidade Católica Portuguesa:
http://jornal.publico.pt/2004/10/04/Sociedade/S01.html

“O que me parece que é largamente favorecedor do insucesso é a gratuitidade do ensino superior público, que fomenta a irresponsabilidade, permite que haja estudantes sem aproveitamento.”
Falso
O ensino superior já deixou de ser gratuito infelizmente.
Resolve-se esta situação tornando-o ainda mais caro, logo, incomportável para alguns. Fica reservado o ensino a quem o pode pagar. Torna-se um bem de luxo.
Em alternativa, pode-se trabalhar e pagar o ensino, mas o aproveitamento também decresce o que não me parece resolver o seu problema.
A gratuitidade do ensino prende-se com a sua acessibilidade e não com a prossecução dos estudos.

“Mas são irrisórias [propinas]. Sei que é difícil para uma minoria de famílias, mas para a grande maioria o que pagam é irrelevante e isso é fomentador não apenas de irresponsabilidade social, como de insucesso.”
Falso
As propinas no ensino superior público ascendem aos 850€ anuais, valor máximo permitido pelo estado. No privado são mais elevadas ainda e a garantia de qualidade não é proporcional.
Claro que são irrisórias para quem comete o erro (pouco académico) de introduzir um viés urbano e elitista nas suas ideias.
A irrisoriedade, irrelevância e irresponsabilidade referidas pertencem apenas a quem tem a estabilidade financeira para as suportar. Isto é um tiro no pé.

“Creio que há razão quando se diz que há crescente cultura de facilitismo no ensino e diminuição de exigência no ensino, que estudar e aprender é algo de que se deve tirar prazer e que não há algo de ascético neste esforço de fazer vida escolar e académica.”
Verdadeiro
Ressalto o facto de ser apenas uma confirmação da constatação de outrem.

“Os profissionais são importantíssimos, mas temos de impedir que haja uma visão corporativa. Assistimos ao decréscimo do número de alunos e a um aumento dos professores. Ora, impõe-se uma racionalização.”
Falso
Assitimos se calhar a um aumento do rácio professor/aluno mas não há decréscimo do número de alunos.
Esta observação resulta do normal devir da demografia. A população envelhece e os jovens são menos que os adultos.
Pode-se no entanto contornar o problema considerando que em portugal o Professor Universitário é um invetigador e que o aumento de massa crítica pode ser utilizado no próprio auto-financiamento das Universidades pela prestação de serviços à Sociedade Civil. Isto significa que a universidade se tornaria útil às Associações Profissionais sem ser por isso engolida pela máquina corporativista.
Auto-financiamento da Univesidade. Ensino tendencialmente gratuito.
Isto sim, é racionalização!

“Há necessidade de incentivar a exigência no ensino superior. Temos que tomar medidas restritivas da permanência na universidade de estudantes sem aproveitamento.”
Verdadeiro
Um pouco dramático mas parece-me lógico. A ocupação de um lugar sem resultados tangíveis face às contingências individuais não é produtiva. Não deve permanecer quem pode pagar mas quem demonstra resultados.
Fora com quem não serve para estudar. PIM!

“Hoje, em todas as cidades universitárias de Portugal, existe uma autêntica indústria da noite, que exerce uma fortíssima pressão sobre os estudantes universitários e é responsável por um clima de menor investimento no estudo e na aplicação em geral.”
Falso
Ao estudante é dado o livre arbítrio de escolher o que deve fazer. Se ele resolve preterir os estudos pela sociabilização em excesso ele, como jovem adulto, lidará com as consequências. Não esqueçamos que falamos de pessoas com idade superior a 18 anos.
Com tanta pressão, até me espanta que não andem por aí estudantes a bufar vapor como umas panelinhas. Estariam a destilar o álcool, dir-se-ia...

“Famílias e instituições não são capazes de controlar a enorme pressão que é exercida sobre os jovens e que obviamente não favorece nem contribui para o sucesso escolar.”
Verdadeiro
Colhem apenas os frutos de uma educação que se demitiu do ensino da responsabilidade e de uma grelha de valores adaptada à realidade. Não compete no entanto à família controlar qualquer pressão que seja. Repito: o jovem adulto já tem idade para decidir.
Este tipo de raciocínio leva naturalmente ao enclausuramento dos estudantes em celas monásticas e o uso de palas nos olhos nas zonas comuns.

“É muito importante canalizar para a qualificação, premiar a qualidade e distinguir o que é bom.”
20 valores para a LaPalissada número 1.

“Pedíamos que o Estado pagasse as propinas aos alunos mais classificados. É pena o Estado não ter concretizado essa proposta, que seria uma medida de qualificação do ensino superior.”
Falso
Se o estado pagasse as propinas dos alunos mais classificados julgo que o faria nas instituições de Ensino Superior Publico que lhe dão verdadeiro retorno.
No entanto, se foi o próprio estado a encetar a ideia peregrina do auto-financiamento e da instituição de propinas não será isto uma viragem de 180º na sua política?
Sempre me ensinaram a encarar o estado como um Mr. Scrooge e os privados como o Pai Natal.
Apresentem-se alternativas e não retrocessos.

“Por exemplo, temos algumas faculdades onde a actividade com formação ao longo da vida é quase mais importante que a graduada. Há que fomentar uma aproximação entre as instituições de ensino superior e a sociedade envolvente.”
17 Valores para a LaPalissada número 2.
Esta já perde por não ter efeito surpresa e por não ter qualquer referência à Universidade da 3ª idade onde se cabula deixando cair a placa no exame.

“Há muitas formações que conduzem à criação de competências profissionais que não são compagináveis com o modelo "três mais dois". A discussão tem que ser feita articulando uma reflexão sobre perfis profissionais e aquisição de competências e tem de ser feito por areas.”
Verdadeiro
Aposto que também foi daquelas de “ouvi dizer”.
Estamos a ficar com falta de serviços essenciais por falta de formação especializada nos quadros médios e inferiores. Não significa que sejam mal-pagos mas se calhar são ainda mal-vistos no país-do-dia-de-ontem.

“...na generalidade, as formações devem ter um mínimo de quatro anos. A grande competição que temos de travar é com o sistema de ensino universitário norte-americano, que se revela ser o mais atractivo.”
Falso
A competição a travar com os EUA é no campo da “fuga de cérebros”. Combate-se pelo incentivo financeiro à investigação.
Formações de quatro anos já existem. Nós chamamos-lhe “Ensino Politécnico” e é se calhar uma vertente da educação que merece mais acompanhamento e uma maior aposta pelos quadros médios que produz.
Não se pense, porém, que há paridade entre o ensino Universitário Estado-Unidense e o Europeu. O seu ensino é muito mais especializado e como em tudo perde se calhar pela falta de abrangência na visão do mundo.

Conclui-se pois que Sr. Manuel Braga da Cruz satisfaz menos.
Com reitores assim, não admira que o Ensino Universitário em portugal esteja na mó de baixo. A culpa é também dos estudantes. Enquanto as coisas não lhes doerem no pelo, não se queixam.
 
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